A memória nos liga a lugares que nos esquecem e a momentos que mais ninguém valoriza.
Recentemente, esses pensamentos me assombraram quando examinei uma revista local. Um vislumbre das conhecidas cerejeiras ao longo do rio Hudson desencadeou lembranças que me transbordaram como ondas. Mais uma vez pude ver as sombras dos postes atravessando as trilhas no Riverside Park. Pude sentir esperanças pelo futuro inchar em meu peito, como tinha quando me maravilhava com as centenas de pessoas cujos passos haviam precedido os meus naquelas mesmas trilhas, suas histórias pousando na calçada antes de desaparecer no amanhã.
Agora conto minha própria história entre os esquecidos. O parque permanece e essas árvores ainda florescem. O rio ainda desliza em aço ondulante passando pelo concreto empilhado do horizonte da cidade. Mas meus passos não ecoam mais lá. Posso descrever cada flor e avenida sem ajuda, mas se lá voltar, serei outra mãe turística, com crianças mexendo nos pulsos, nas memórias inebriantes e vibrantes, invisíveis para quem passa.
A cidade que me moldou se agita, indiferente à minha existência.
“Nossas memórias dos feitos de Deus oferecem esperança, uma jangada bem-vinda em mares turbulentos.”
Quando as memórias ondulam
Quando olhamos para o passado em busca de nossa identidade, essas reminiscências podem despertar uma sensação perturbadora de deslocamento. As memórias deixam marcas gritantes, mas raramente podemos preservar a vibração de seu impacto inicial. Os prédios que nos lembramos desmoronam. Mentores que estimamos inclinam-se com a idade. Os fardos da vida nos humilham a todos, mesmo enquanto desejamos revisitar momentos queridos e recuperar sonhos abandonados. F. Scott Fitzgerald o escreveu com pungência em The Great Gatsby: “E assim seguimos em frente, barcos contra a corrente, trazidos de volta incessantemente para o passado”.
“Com que frequência extraímosde nossas memórias permanência e significado, apenas para achar nosso passado tão efêmero quanto nós?”
Como Jay Gatsby, com que frequência perseguimos alegrias perdidas que nos escapam? Com que frequência extraímos nossas de memórias permanência e significado, apenas para achar nosso passado tão efêmero quanto nós? Assim como nossos corpos murcham e se rompem, os lugares, pessoas e coisas que valorizamos também desaparecem.
Apegar-se ao passado nos deixa vazios quando esquecemos Aquele que impregna nossos momentos com significado. A memória foi concebida não apenas para passeios particulares em sombras esquecidas, mas também para nos lembrar quem é Deus e o que Ele fez por nós. Quando viajamos para essas memórias, cultivamos uma compreensão de nossa identidade que supera em muito a melancólica nostalgia.
O que nunca deve ser esquecido
A importância crucial da lembrança se repete por toda a Bíblia. No horizonte de sua própria morte, Moisés pede às pessoas a quem pastoreava por quarenta anos que “Tão somente tenham cuidado e guardem bem a sua alma, para que vocês não se esqueçam daquelas coisas que os seus olhos têm visto, e elas não se afastem do seu coração todos os dias da sua vida”(Deuteronômio 4: 9).
O apelo de Moisés baseia-se em suas próprias memórias: ele testemunhou a idolatria em que seu povo se afundou quando se esqueceu do cuidado de Deus por eles no deserto. Deus os libertou da escravidão, separou os mares e forneceu comida do céu e água da pedra. Contudo, a mente humana é tão distraída e tão arraigada à nossa propensão ao pecado, que logo eles esqueceram o firme amor de Deus e depositaram sua esperança nas coisas forjadas por suas próprias mãos (Êxodo 32: 3-4). Quando nos esquecemos de Deus, tropeçamos no caminho que Ele prepara para nós. Quando nos lembramos Dele, nossa resposta natural é adoração.
A lembrança como adoração não apenas glorifica a Deus, mas também dá vida quando lutamos contra a aflição. No Salmo 77, Asafe lamenta: “Acaso o Senhor me rejeitou em definitivo? Jamais voltará a ser bondoso comigo? Seu amor se foi para nunca mais voltar”(Salmo 77: 7–8) No meio de sua turbulência, Asaph obtém segurança de sua memória da provisão de Deus:“ Então disse para mim mesmo: O mal está mas é em mim. Terá o poder da mão de Deus deixado de ser o mesmo? Recordarei pois as obras do Senhor, todos os seus milagres maravilhosos desde os tempos da antiguidade.”(Salmo 77: 10–11).
Enquanto se lembra da separação de Deus do Mar Vermelho, o lamento de Asafe se torna louvor: “Ó Deus, os teus caminhos são santos. Onde encontrar um deus tão poderoso como tu? És o Deus que faz maravilhas. Continuas dando a conhecer a tua força entre os povos.
Salvaste-nos com a força do teu braço, a nós, o teu povo, os filhos de Jacob e de José.
”(Salmo 77: 13–15). Nossas memórias dos feitos de Deus, então, oferecem esperança, uma jangada bem-vinda em mares turbulentos.
“A memória era destinada não apenas para viagens particulares em sombras esquecidas, mas também para nos lembrar quem é Deus.”
Andando pelas flores de cerejeira
Essa esperança se manifesta mais gloriosamente quando nos lembramos da cruz. A Ceia do Senhor nos aponta a graça e o amor de Deus por nós em Cristo, com o próprio Jesus nos instruindo a participar do sangue e do vinho:
E ele pegou o pão e, quando agradeceu, quebrou e deu a eles, dizendo: “Este é o meu corpo, que é dado por você. Faça isso em memória de mim. ”(Lucas 22:19)
O calendário da igreja, a liturgia e as tradições que marcam o ano da igreja servem como lembretes poderosos do que Deus fez e de quem somos em Cristo.
Mas a responsabilidade de lembrar não é apenas institucional. O apelo de Moisés se estendeu a todos os israelitas ouvintes. Jesus ensinou durante uma refeição, na companhia dos mais próximos. Quando cada um de nós considera nosso passado, também somos chamados individualmente a lembrar-nos de Deus. O Seu carácter. Sua provisão. Suas obras maravilhosas na Bíblia, e também ao longo do curso sinuoso de nossas próprias vidas. Quando vemos nossas memórias através das lentes do evangelho, vemos a graça de Deus em ação, revelada em momentos que de repente adquirem nova profundidade, significado e nuances que excedem as capacidades limitadas de nossos sentidos.
Quando considero essas trilhas em Riverside Park, lembro que naquele momento da vida eu estava “morto nas ofensas e pecados” em que andei (Efésios 2: 1–2). “Mas Deus, sendo rico em misericórdia”, me fez viver em Cristo (Efésios 2: 4-5). Enquanto perseguia as coisas deste mundo, perdida em meus pecados, Deus me viu e me perseguiu. Enquanto eu me perguntava sobre as pessoas que haviam percorrido esses caminhos antes de mim, Ele estava a andar comigo, sua história já criada com amor antes da fundação do mundo. E mesmo quando eu não O conheci ou O honrei, Ele me abençoou, ruminando meus dias com flores de cerejeira e dando-me o futuro com Ele.
Artigo original por Kathryn Butler em : https://www.desiringgod.org/articles/god-gave-you-your-memories
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